Insônia – Prologo

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Introdução

 

 

 

A paisagem estava densa, borrões de verde musgo e marrom passavam lentamente diante dos meus olhos formando imagens de árvores e vegetação. A escuridão do lado de fora do carro de papai – um Pálio azul escuro de duas portas – me dava calafrios. Estava cansada da viagem, e não me lembrava da minha casa ser tão longe assim da casa da vovó.

 

Bocejei pensando em reclamar com papai, mas o resmungo saiu baixo e sem sentido, por isso talvez ele não tenha dado muita atenção. Me ajeitei no banco de trás o observando ao volante, parecia tenso, focado no trânsito à nossa frente, mas agora me recordando, havia algo mais naqueles lábios pressionados, no modo como ele me olhava e a mamãe alternadamente com seus olhos azuis pensativos. Ele sorriu pra mamãe, uma mulher morena de olhos num castanho tão vívido que parecia líquido, ele tinha ao redor dos olhos manchas escuras e arroxeadas por causa da tensão, seus cabelos estavam grudados na testa pelo calor dentro do veículo. Ele sorriu consolando-a, tentando transmitir-lhe uma tranqüilidade que claramente não possuía.

 

Sorri para papai quando me olhou, rindo baixo ao sentir seus dedos alcançarem meus pés descalços fazendo cócegas. Ele chamou minha atenção para uma pracinha do lado de fora do carro que estava decorada com luzes de Natal, um papai Noel gigante no centro da praça. Várias crianças brincavam de pega a pega entre as árvores. Olhei com certa inveja, a brincadeira parecia muito melhor que ficar dentro do carro no calor da estrada para São Paulo.

 

Uma árvore porém me chamou atenção, estava decorada com luzinhas formando um S em sua copa. Chamei papai para que visse, cutucando o braço dele e puxando a manga de sua camisa toda empolgada.

 

_Olha pai, S de Suzana! – falei admirada.

 

Foi então que tudo escureceu.

 

Tentei abrir meus olhos mas estavam embaçados, o cheiro de queimado era forte e ardia nas minhas narinas, gritei alto, algo pesava sobre minhas pernas e tudo doía, algum tempo mais tarde mãos frias me puxaram por debaixo dos ombros, a voz falava com autoridade me chamando pelo nome, o que me fez parar de me debater acreditando que era papai.

 

_Olhe para mim, somente para mim! – ele disse.

 

Quando o peso sumiu do meu corpo consegui abrir os olhos e encarei o homem, os olhos acinzentados me fitaram com medo e exaustão, inquietos. Um barulho ensurdecedor me fez encolher em seu colo e gritar. O cheiro de queimado e o calor atingiram minhas pernas e tudo ficou nublado e distante.

 

Acordei no hospital horas mais tarde, a pele das pernas chamuscada, o corpo dolorido e dormente em várias partes. Perguntei aos meus avós sobre o homem que me ajudou mas a resposta que tive foi que a explosão me jogou fora do carro e que me encontraram abraçada a mim mesma a alguns metros do acidente.

 

Herdei um problema de labirintite por causa do som da explosão, fiquei órfã de pai e mãe no mesmo dia e sofrendo pesadelos constantes com aquele par de olhos cinza, o sangue e o dourado bruxuleante da explosão.

 

 

 

 

 


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